quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Retrospectiva Introspectiva?

Como eu fazia no meu blog antigo, vou fazer uma retrospectiva de 2008 muito mais interessante do que a da Globo. O ano começou e eu estava recém-formada, mas não colada, desempregada, de coração partido, mas disposta a reformá-lo. Criei esse blog no dia 7 de janeiro, decidida a ser corajosa dessa vez, para mostrar minha literatura para quem quisesse ver. Logo na metade desse primeiro mês, conheci o Fabio e escrevi O epicurista, porque ele me ensinou muito sobre me divertir. E esse é um dos grandes marcos do ano. Em março, me colei em um dia e, no outro, comecei meu novo emprego: revisora em uma empresa de concursos públicos. Não demorou muito para eu concluir que revisão é um serviço que só é percebido quando você erra. Além disso, desde sempre eu tinha feito Letras para escrever e não para ler o que os outros tinham feito. No mundo do trabalho (porque antes eu era só estagiária, outra classe), no mundo dos funcionários, descobri que a minha calça jeans me transformava, de repente, numa adolescente descerebrada, que vivia no mundo da lua. Não importava o quanto eu me esforçasse, a minha imagem bloqueava as ligações nervosas da minha chefe e ela sempre repetia “ela é poeta” como sinônimo de “incompetente”. Em outras palavras, poetas são preguiçosos, inativos, e nada práticos. Então, surgiu a minha business woman. Comprei calça social, sapato, o escambau. Do nada, ouvi um “quem diria, achei que você não ia dar conta porque era poeta”. Ok, nada melhor do que muito preconceito imbecil para me inspirar para páginas e páginas do meu livro sobre o universo burocrático. Obrigada, chefa, usei todas as histórias que você me contou. Depois, tentei revisar uma revista para ver se me aproximava do ideal de usar o teclado. Mas acabei encontrando uma das pessoas mais piradas e prepotentes que já conheci. Tenho de apresentá-lo à Madonna. Então, pedi demissão do maluco e acabei sendo, também, demitida por falta de verba da empresa. De repente, desempregada, de repente, muito sortuda! Aproveitei minhas férias inesperadas e dinheiro juntado para ir para Argentina, aproveitando a última levada de felizes turistas que fugiram da crise sem nem saber que ela viria. De volta ao Brasil varonil, e novamente desempregada, fui parar em uma imobiliária seduzida pelas promessas de enriquecimento fácil, o que se encaixava com perfeição nos meus planos de ir para a Nova Zelândia. Mas a crise (parem de hipotecar!) estourou o preço dos pacotes para estudantes e, realmente, fodeu com os meus primeiros dias de corretoras que foram regados a um tédio desesperador. Cadê meu dinheiro?! Ok, depois disso, se passaram 3 meses, e cá estou eu, escrevendo na véspera de Natal sobre esse ano. As conclusões do ano são 3:
1 – Por mais incrível que pareça, consegui vender o suficiente nessa loucura e, se não fosse a crise, eu realmente poderia bancar a minha viagem para a Nova Zelândia. No meu típico questionamento interno, eu achei que não conseguiria. Isso me leva a uma conclusão – eu tenho que parar de duvidar tanto da minha capacidade.
2 – Ficar mais de três meses (meu antigo recorde) com uma pessoa que você ama é grande parte da salvação do desespero do dia-a-dia.
3 – Tenho de fazer o que acredito sem esperar por um sinal verde.
Espero que o ano de 2009 seja ótimo para todos nós. Piegas, mas verdadeiro! Para 2009 planejo lançar meu livro, aplicar The Secret e conseguir ficar no mesmo emprego por mais tempo. Ajudem-me e escrevam suas retrospectivas também! Adoro! (Tô me transformando numa tiazona...)

sábado, 6 de dezembro de 2008

Tara McPherson me atrapalhou hoje



Tara McPherson me atrapalhou hoje. Bitch! No meio de uma reunião de um projeto (maravilhoso! Meu Deus, tô tão empolgada!), sobre o qual ainda não posso falar (se não, pode não se realizar...e isso é sério), recebi a revista +Soma, fodérrima, que é distribuída gratuitamente, mas dificílima de encontrar. E logo na capa estava essa ruiva com um buraco de coração. Tive uma epifania com essa imagem e as que se seguiram. Realmente, tenho uma quedinha para o surrealismo pop. Com certeza, esses artistas devem ter sido humilhados por muita gente renascentista cultista louca que despreza a mistura de elementos do universo pop com a sagrada arte da pintura. Acho que gosto dessa trangressão, desse estar sozinho. Sou uma eterna out sider. Somado à paranóia de observar o trabalho de Tara, descobri o blog de uma namorada de um amigo meu, adicionando pessoas no orkut, e a garota acabou de lançar seu livro de forma independente. Isso me fez pensar no meu livro, parado pela metade e, eu, simplesmente incapaz de terminá-lo depois de 3 anos de investimento. De volta ao post anterior, quando minha prostituição vai acabar e eu conseguirei seguir meu caminho? Tenho tanta coisa ao mesmo tempo e agora vêm as contas. Ano que vem, serei obrigada a comprar um carro e acabar com o caos familiar.Terei de assumir prestações, virar gente, ter salário fixo. E quando, em meio à minha busca de dinheiro extraído por meios não-artísticos, que eu vou ter tempo para escrever meu livro (que envolve sublimação, observação do mundo e não ter um objetivo)? Se alguém puder me responder, sou grata. É...eu sou uma pessoa ansiosa. Recomendam algum floral?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Diablo Pat






Por quer alguém com nível superior e que ganhou um Oscar (amado cara de dourado dos amiguinhos do norte) poderia um dia ter sido stripper? Logo que descobri que Brook Busey, ou Diablo Cody, tinha sido dançarina noturna (expressão para os olhos das damas exageradamente cordatas) e atendente de tele-sexo, ouvi dizer que suas razões eram baseadas no tédio do mundo coorporativo. Compreensível. Emprego de assistente júnior em operações de transferência de clientes do setor de origem para o novo setor regimentado de acordo com as novas regras do Conselho Mofado Daqueles Que Andam Becados E Não Falam Se Não For Por Seus Celulares com a maravilhosa oportunidade de promoção para técnico júnior da ouvidoria do setor...tédio, tédio, tédio. Por favor, velocidade, cores, uma lobotomia!!! Como eu disse, compreensível. Então, logo me identifiquei com ela. Principalmente porque ninguém é obrigado a trabalhar nesses empregos-cor-branca, mas ela trabalhava porque é isso que consta no documentado registrado em cartório que se refere no artigo terceiro que sua criação não permite empregos na área criativa e sim a morte pelo desinteresse parcial até o completo pela vida! Ela precisou virar puta (ela não deu, mas usa o termo) para poder ser escritora. E eu entendo todo esse extremismo.




Encontrei minha puta interior e fugi com ela


Courtney Love





Fico pensando o quanto eu vou ter de jogar fora só para deixar de culpar os outros e virar dona dos meus erros e das minhas escolhas...





O livro começa bem engraçado, mas caminha para trechos muito pesados e para a decisão de Cody de largar a indústria de sexo por um motivo que eu nunca teria imaginado. Vamos ver se vocês descobrem!





segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Cinderela Urbana


A leitora desse blog, Raízza, fez uma entrevista para uma matéria da escola sobre alguém que tinha uma profissão que ela admirava e eu fui escolhida! Estou me sentindo uma Cinderela, cheia de calos do salto e pulmão nem tão rosinho e angelical. A entrevista segue abaixo! Meu Nobel!



Entrevista


Perfil:

Patrícia Colmenero, 22 anos, formada em Letras Português na Universidade de Brasília (UnB).
Profissão: Muitas! Escritora por amor, redatora por amor, professora por necessidade e estagiária de imobiliária por necessidade.
Escrevo e sempre escrevi drama. Comecei escrevendo romances que não passavam de 15 páginas, porque eu lia e odiava, e jogava tudo no lixo antes que realmente tomasse forma. Depois de ler Sylvia Plath no segundo ano da escola, comecei a escrever poesia. Escrevi só poesia até o segundo ano de faculdade. Nos dois anos seguintes, comecei a escrever o meu romance que escrevo até hoje, um ano depois de formada. Atualmente, tenho tido dificuldade de continuar a produção do romance, porque tenho 3 empregos! Além disso, a vida anda boa e não consigo mais pensar de forma tão deprimida e corrosiva como a personagem. No momento, não sei se continuo o romance ou se tento outras formas de literatura. Para o ano que vem, planejo começar uma faculdade de jornalismo e estudar um semestre fora, trabalhando também.

Perguntas:

Aluna: Em que área você exatamente trabalha, e quais são os seus objetivos?
Patrícia: No momento trabalho na área de Letras e de Jornalismo. Escrevo matérias para uma revista local e dou aulas de redação. Meus objetivos atuais são trabalhar com jornalismo em uma revista conceituada da área cultural. Penso na Rolling Stone. Mas, se eu der muita sorte, queria escrever roteiros para seriados da HBO. Infelizmente, na área artística, é difícil se preparar, você tem que se jogar mesmo. Como me formei no final do ano passado, tirei esse ano para sentir o mercado de trabalho e descobrir, realmente, do que se trata a vida. Conclui que, na minha área, só vou ter desilusão, portanto, quero me formar em jornalismo agora. Não quero dar aula nem revisar texto. Quero que os outros leiam os meus textos e não o contrário. Logo que me formei, queria viver de escrever romances, mas agora que estou trabalhando, vejo que é difícil manter o meu plano, pelo menos, por enquanto. Não quero me afastar da escrita, mas agora terei de usá-la para um feedback imediato. Por isso, o jornalismo. Preciso ganhar dinheiro com a escrita, porque qualquer outra forma, para mim, é completamente sufocante.
Aluna: Como é o seu processo de criação? Você cria uma macro-estrutura com idéias prontas ao passar para papel, ou começa com uma inspiração deixando-a fluir?
Patrícia: Quando comecei a fazer o meu romance, fiquei um ano só bolando a estrutura, montando os personagens, decidindo a história, a linguagem, o uso de intertexto, etc. Depois de todo esse trabalho que eu comecei a escrever. Mas cheguei a escrever umas vinte páginas que joguei fora, depois que mudei a estrutura mais uma vez. Na hora de escrever, tem dia que dá para deixar fluir porque o fluxo está muito criativo, mas, a maioria das vezes, escrever é um processo árduo, racional, resíduo de anos de estudo e, principalmente, experimentação. Muitas vezes, escrever é um martírio, mas ver o resultado é uma grande alegria.

Aluna: Você poderia falar alguns conceitos importantes para a prática da literatura atualmente?
Patrícia: Na minha visão, hoje, é importante você ser uma pessoa conectada com a realidade, porque acho um verdadeiro saco alguém escrever "porque vós sois a luz de minha vida, blá blá blá", porque essa linguagem não faz o menos sentido hoje, a não ser que seja para fins de uma estilização inteligente como o fazia Hilda Hilst com os seus arcaísmos e também Guimarães Rosa. Outra coisa importante é ler muito. Não dá para escrever bem sem ler bastante também. Você tem que ter objetivos e saber o que está fazendo.
Aluna: Em quem você se espelha?
Patrícia: Me espelho principalmente em Hilda Hilst, porque é uma brasileira fantástica. Nunca vi alguém que escreva como ela. Deveria ser literatura obrigatória nas escolas.


Comentários:

Percebemos que não é fácil o conceito assustador chamado futuro. Pois é realmente uma competição, tentamos ao máximo visar aquilo que seja mais lucrativo e que simultaneamente sentiremos prazer em exercer, que é na maioria das vezes é intocável. E é por isso que optamos por algo qualquer, que talvez futuramente nos arrependeremos, sempre perseguidos pela dúvida. Além de visarmos aquilo que temos dom e que gostaríamos de fazer, devemos também olhar principalmente o campo de trabalho. Mas é fato, sempre damos de cara com frustações e arrependimentos, por isso é bom pensar e pesquisar desde cedo. Não temos que ser simplesmente bons, e sim os melhores, e é isso que faz a diferença quando se trata de milhões de pessoas correndo atrás de um mesmo objetivo. Parece algo fácil, e como estamos acostumados com um mundo imediatista, e sempre deixamos para pensar depois, e deixar que o tempo resolva.


Aluna: Raízza Marins Monteiro de Barros.
Obs: Acabei de ler Minha Vida de Stripper! Posto um comentário aqui no próximo post!

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Minha vida de cineasta + jornalista - minha literatura

Comprei ontem Minha Vida de Stripper, da roteirista de Juno, Diablo Cody. Comecei a ler imediatamente, mas me freiei porque tenho Na natureza selvagem em processo de devoração. E, passei para depois, a bio da Amy. Toda essa enrolação porque, em um dos meus três trabalhos, tive de cobrir (sem credenciais, ingressos grátis, nada) o FIC (Festival Internacional de Cinema de Brasília), o que eliminou minhas leituras noturnas (único horário em que elas acontecem), mas, como resultado de tão árduo trabalho, tive sorte! Ganhei uma bolsa de um intensivo de cinema em São Paulo! É durante todo o mês de janeiro na AICinema! Então, tô escarrando felicidade porque coisas legais nunca acontecem com os pobres que trabalham com burocracia. E, seguindo a linha da bolsa, vocês se importam se eu me perder um pouco e não conseguir mais escrever literatura por um tempo e postar coisas pessoais, inúteis para os que passam fome na África? Eu tô travada. A loucura do mundo do trabalho e do fato de me descobrir totalmente sem verbas para viagens pelo mundo (as quais nunca fiz, mas imagino que sou do tipo que faz) me faz operar meu cérebro gasto mais do que ele está acostumado. Conclusão: meu tempo para meditação, observação do caos e da dor estão bem reduzidos. Conclusão 2: sem tais sublimações, não escrevo. Conclusão 3: mas preciso escrever. Só não tenho o tempo e os calos para fazer arte agora. E também sempre quis ser daquelas pessoas que ficam famosas porque tinham um blog em que contavam sua vida que nem imaginavam que era fascinante e ficam famosas e fazem livros e são felizes e ganham com arte sem precisar ser comercial, necessariamente, claro. Outro fato relevante, que leva às conclusões, é o fato de que passei para a faculdade de jornalismo! Sim! Ano que vem, estudarei à noite, e trabalharei 3 turnos (?) durante o dia. Sim!!!Então...isso muda o foco também. É complicado dizer para onde irá o futuro, mas pode ser que, como a Diablo Cody, eu consiga escrever meus livros depois de ser não stripper, mas professora, jornalista e corretora.

sábado, 25 de outubro de 2008

The Age of Aquarius



Ando meio feliz demais e minha tristeza, quando vem, é meio bossa nova. E sei dizer isso é quase um palavrão! Porque dor é algo alto demais para cantar mansinho. Mas sinto tranquilo agora. A maior parte do tempo. Talvez, porque esteja trabalhando demais nos meus 3 empregos, então não tenho tanto tempo para matutar a desilusão de ver a vida passar; talvez, porque tenha entrado em uma nova fase mesmo. Uma fase feliz demais. Isso seria piada pra menina de 13 anos que se remoía pelos cantos dizendo que sentia um vazio que não sabia de onde vinha. Acho que superei - por agora - a adolescência.
Foto: prima Ana! Vibrações setentistas num photoshop pobre, mas feliz.
Estou lendo a biografia de Amy Winehouse e Into the wild, o livro em que o filme Na natureza selvagem se baseou.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Eu arteio, tu arteias talvez, ele, já não sei.

Eu sou xiita. Prefiro manter a arte como hobby e fazer do jeito que eu quero. Se for fazer pro meu sustento, mais cedo ou mais tarde, vou ter que abrir mão de coisas que eu quero. Que nem o Lobo Antunes disse numa entrevista, perguntando sobre uma literatura mais fácil, acessível, light: "Eu não sei o que é que é light, sei o que é light em relação a cigarros. Há literatura, e não há literatura. Pois a literatura não é isso, é uma coisa nobre, a literatura é o que faz o Dostoievski." Ou eu escrevo o que eu quero, ou não escrevo. Que nem meus amigos músicos. Eles até conseguem uma grana tocando. 90% é tocando merda que eles não gostam: casamento, restaurante, etc. E eles são totalmente profissionais, vão lá, fazem o que mandam e tal. Isso pra mim não conta, é quase burocracia.

Breno Kümmel, em conversa msênica (lê-se m-s-ênica) rara [porque eu não freqüento o recinto] que ele jamais gostaria de ver aqui publicada e que, se suspeitasse, teria me deletado.

Eu acho que muita gente quer, acha massa, mas não tem a coragem necessária (e a loucura) pra enfrentar esse caminho. Por isso que muitas vezes é um caminho meio solitário, porque você tem q se reerguer sempre só com você.
[{E você agüenta toda essa solidão?}]
Chega num momento q você se acostuma. É como se você perdesse um dedo. Faz falta, mas uma hora você se adapta.

Victor Ceresa falando de se alimentar da arte com uma metáfora lulista [brincadeirinha]. Muito bom! Desde que me disse isso, ando pelas ruas sem um dedo. Assumi minhas deficiências.

E você leitor [que foi ironizado por Machado – tornando-se sempre uma mulher fútil, impaciente e sem consciência artística – e igualado em miudeza de podridão por Baudelaire – “Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!”] o que acha do assunto? Te ausentas? Te enojas? Queres matar-me por tocá-lo e alarmá-lo a respeito dessas essências que pedem filosofia? Fala! [estou com espasmos hilstianos hoje – por isso, as segundas pessoas surgindo alvoroçadas]

Uma última infame pergunta: o que ledes vós?
Tradução: o que vocês gostam de ler?

Aguardem cenas picantes em produção!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Finalmente, consigo dormir só com o dia de hoje nas costas

Acabei de ver o primeiro episódio do novo seriado da HBO: Alice.
A garota com tudo já disposto: futuro marido, casa, filhos, morte: resolve esquecer dos planos, da estrutura, para poder brotar outra vez – segundo nascimento na sua já velha vida. Essa noviciada da ansiedade assentou em mim um gosto de passado. A necessidade de espasmos, de eclipses e show de fogos. Tudo no mesmo dia. Um distúrbio por mudança compulsiva. Meu TOQ. A cada segundo – uma novidade, uma necessidade, uma fome. Por isso, fiz a tatuagem. Os dois ramos de flores. Um em cada lado dos meus ossos do quadril. Gêmeos. Os extremos. Na força da mulher: suas ancas. Fiz para me lembrar de controlar as patrícias que batem convulsas por dentro. Mas é claro que eu ainda quero viver outras dez vidas nesta! Porque essa sou eu: imortal e esgotada, incansável e sonolenta. Mas, dessa vez, não tenho a urgência do pretérito. Vontade de já ter vivido, para ter espaço pra mais. Não é que cansei de sempre vir a ser. É que não compactuo mais com os sapatos batendo rápido no asfalto. Não creio mais no ritmo que se forma da respiração acelerada tentando se fazer palavra. Só não lembro mais o que é desejar a frígida outridade. Tenho ficado satisfeita com o som da minha voz. Não corro mais do tempo. Espero – para não perdê-lo passando. Incorporo uma paz que se confunde com manifestação xiita. É uma iluminação militante. Finalmente, consigo dormir só com o dia de hoje nas costas.

Obrigado a todos que lêem o blog e que comentam aqui. Isso, sem dúvida, é uma força extraordinária para prosseguir. Porque fazer literatura é arte de resistência. Mas não vou muito longe sem alguém que me acompanhe. É um prazer conhecer vocês.

Na foto, Tamires Alcântara. Minha modelo para o livro que estou preparando de fotos e frases. [Aguardem] Fotógrafa: Clarissa Gianni.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Púbis entediado


Depois de ouvir todo o tipo de teoria sobre a influência do clima no temperamento das pessoas, só posso concluir que o inferno deve ser muito estressante e não assustador, e angustiante. É quente e insuportável mesmo!
E declaro que estou enlouquecendo com esse calor na terra candanga.
O desenho acima é de uma artista plástica chamada Rebecca Schiffman.
E o texto abaixo é mais um pedaço do meu romance, que ainda rumino. Nessa ocasião, a personagem acaba de sair da padaria onde xinga a caixa de vagabunda. Na confusão, esquece de comprar um isqueiro para os seus cigarros.
{comentem}
Sobre o post anterior, obrigada pelos comentários! Não sabia que o Alexandre Machado era o QI da Fernanda. Isso me faz perguntar se existe sorte ou se tudo é mesmo uma questão de contatos e lençóis. Fuckin life!


Estou sem isqueiro. Na loucura, esqueci de pegar um também. Isso é menos mal. As pessoas não dão cigarro, mas não são egoístas com fogo. Vejo um transeunte parecido comigo fumando. Ele se veste como um mendigo, mas dá para perceber que na verdade é só um garoto de classe alta tentando se auto-afirmar.
Me aproximo. Ele percebe e pára.
Posso acender o meu no seu?
Oi?
Ele aparenta ter ficado assustado com a minha abordagem. Deve ter uns dezenove anos. No auge da vida estudantil, achando que a vida é arranjar garotas e experimentar drogas. Doce limitação!
Posso acender o meu cigarro no seu? Claro, claro.
Ele vai estender o cigarro para mim quando eu o interrompo, segurando sua mão, levando o cigarro de volta para a boca dele.
É mais fácil assim.
Encostei o meu cigarro no dele. Um beijo de nicotina. E puxei o ar. Acendeu. Me afastei.
Obrigada.
O garoto parecia envolvido por uma energia mística. Estava totalmente extasiado com aquela mulher adulta, acendendo o seu cigarro no dele. O garoto me achava sensual e não tinha nenhuma proteção quanto a deixar isso transparecer. Ele ainda estava na fase de não mascarar todos os sentimentos.
Claro. Claro. É...a gente pode fumar junto ali naquele banquinho. Eu costumo sentar ali. Tem uma vista pro mar. Aí, se você quiser fumar outro, pode acender no meu de novo.
Acho que a minha roupa de mendicância e o meu cabelo desorganizado se encaixaram perfeitamente na mitologia de mulher que ele havia criado. Eu queria passar a manhã sozinha e tudo já tinha sido tão tumultuado. Primeiro minha mãe, depois a vadia do caixa...mas resolvi abrir mão da minha solidão. Seja lá o que fosse acontecer, o controle era meu e isso era novo e divertido.
Vamos... larguei no ar, indo na frente. Ele deu uma leve corrida para me acompanhar. Nos sentamos e ficamos em silêncio por alguns momentos, só tragando. Você mora aqui perto? É. Moro naquele prédio cinza. Eu moro na próxima quadra. Você mora com os seus pais? Não. Eu moro sozinho. Eu vim pra cá para estudar. Ah...legal...
Uma nova pausa se iniciou. Tragadas profundas.
Você quer ir lá? Lá aonde? No meu apartamento. Ele disse isso um pouco tímido.
Eu queria ir ao apartamento dele? Claro que não. Porquê? Mas, também, por que não? Por que a negação tinha que ser sempre a primeira opção? Por que não viver e experimentar? Por que não me tratar com um resquício de dignidade e, ao menos, ver o que acontecia? Viver do prazer da experiência. Isso me tiraria do tédio, do marasmo. Isso seria novo. Hedonicamente, me preparar para o dia e suas surpresas. Sem mais a frigidez das expectativas, das esperas. Pro inferno com tudo isso! A ação, isso sim. A ação pode driblar a velhice, a doença, a paixão. Pode me fazer sentir enganosamente maior. Deliciosamente maior. O controle dos meus sentimentos, superando a natureza e o tudo de terrível que ela traz. Superar a suscetibilidade à melancolia.
Vamos! Caminhamos calados. Entramos pela portaria antiga. Não havia elevador. Subimos um lance de escadas e no último degrau ele me agarrou num beijo desesperado como se aquilo fizesse parte de um texto pré-produzido. Fui recíproca para com a sua pele macia. Nossas línguas de nicotina eram mais ásperas. Lixas loucas a se entrelaçar convulsas. Lambi-lhe o rosto todo feito cão. O anônimo é forte. Enrosca minhas pernas pálidas no seu tronco e me carrega até a porta. Acerta a fechadura sem vê-la. O rosto encaixado no meio dos meus seios. Seu cabelo é um sebo castanho claro. Entramos no apartamento que eu nem vejo como é. Só percebo a meia-luz que entra pela fresta da cortina. Ele me deita no sofá e tira logo a calça, apressado. O desejo dele apontando para mim. Cheiro de sabonete e suor. Pega uma camisinha.
Você quer colocar ou quer que eu coloque?
Ouço sua voz sem memórias enquanto meu sexo queima.
Eu coloco.
Rolei o plástico, sentindo as pulsações do garoto que eu tinha nas mãos. Era vida ou morte? O que eu buscava com a mão lubrificada e o cheiro de sexo no corpo?
Eu penso bem. Só queria o prazer sem sentimento, mas alguma coisa me detém. Há em mim algo intocado, inabalado, que me ordena para a conservação. Mas isso eu também quero matar por dentro. Todo vestígio de esperança.
Você gozou?
Fiz que sim. E gozei mesmo. Mas uma porra triste. Ele se levantou do meu corpo e vestiu sua cueca novamente. Vou pegar uma água. Você quer?
Não...eu já vou embora.
Tento organizar minhas calças rápido, mas coloco-as do avesso e ele estranha meu desespero repentino.
Você tá bem?
Calço meus sapatos e bato a porta atrás de mim. Era 35, o número na porta. A porta da qual eu poderia ter saído como uma prostituta, ou uma arrependida.
Ou, o que é pior: completamente inalterada.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A vida é uma aventura obscena de tão lúcida



"A vida é uma aventura obscena de tão lúcida", disse Hilda Hilst, a melhor poeta brasileira. Sim, nada de Drummond, de Navio Negreiro, de "que seja eterno enquanto dure". É de borboletas de carne e de tu não te moves de ti que se faz a verdadeira literatura do Brasil varonil.
Mas talvez eu diga tudo isso porque sou uma pessoa muito crítica como fui chamada ontem. Mas acho que não. Na verdade, sou alguém que ama muito, ama intensamente. E, no amor, não há espaço pra tantos "como vai", vai-se direto à verborragia mais dissecante. Ou seja, "odeio isso em você, amo isso em você. Isso aqui é, simplesmente, um monte de merda".
O mais estranho foi que encontrei eco para isso num livro de Fernanda Young. Isso mesmo. Depois de muito tempo em crise, decidi que amo e odeio desesperadamente Fernanda Young. E confesso que comprei o livro de estréia dela nesta semana. Assim como já tinha outros 3. A questão é: acho que ela escreve mal, se perde, não trabalha a linguagem, conta historinhas...mas adoro! É paradoxal e estou aprendendo a viver com isso. Mas algo sempre me intrigou: como essa mulher chegou onde chegou sem ser nada convencional, nada fresquinha, nada puxa-saco? Finalmente! Encontrei a resposta! O seu primeiro livro, Vergonha dos pés, é realmente, realmente mesmo, muito bom! Tem estrutura, a protagonista é instigante e complexamente bizarra, a história é envolvente e os flash backs dão um estilo inspirador ao livro. Colegas leitores, por mais que as coisas pareçam acontecer por acaso, não é verdade. Esse foi meu aprendizado da semana. E nas palavras sobre a Ana do romance: "Para falar de Ana, é preciso repetir com freqüência certas palavras: sempre, nunca, odeia, ama, não."
Respondendo aos comentários, obrigada por reagirem ao meu romance. Preciso de outros olhares. Quando estamos há tanto tempo em uma mesma coisa, a vida às vezes fica obscena demais ou lúcida demais.
Não sei porque postei isso e não algo literário. Acho que precisava conversar com outros possíveis leitores paranóicos, críticos paranóicos, escritores para...
E espero respostas/comentários. Exijo ao menos uma migalha. Meu coração é tuberculoso e fico triste quando não recebo atenção.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Insônia

Ontem, a noite foi de insônia. Basicamente, não durmo por um único motivo: aprecio o sofrimento.Fico louca pensando no futuro, em tudo que eu tenho de conquistar para um dia ser reconhecida. Imagino lançamento de livro, mil leitores, meus melhores amigos organizando tudo...aí, quando estou quase caindo no sono, tenho uma idéia que pode salvar o mundo (pelo menos o meu) e tenho que anotar. Tenho! Mesmo o caderno estando no outro quarto...e assim dormi às 4 da manhã, mas acordei às 8 na busca pela intelectualidade. Estou lendo Plexus do Henry Miller e poemas escolhidos de Emily Dickinson.

Abaixo, um curto capítulo do romance que estou escrevendo há não sei mais quanto tempo.


Rafael dorme como se viver fosse algo calmo e não o estar sempre em colapso.
Minhas pálpebras insistem em não relaxar. Está muito escuro por fora e muito claro por dentro delas. Meu rosto já está amassado do travesseiro. Levanto o tronco. Esfrego os olhos sonolentos e insones. Estou com uma regata branca e uma calcinha preta. Um pernilongo picou meu pé e eu o coço com força.
Vou escrever.
Assim, me alivio do que ainda não expeli hoje. Ligo o computador. Rafael troca de lado ao sentir a luz do monitor . "Vai dormir, amor. Amanhã você escreve." Acho que ainda não me acostumei a ter alguém me dizendo o que fazer e assistindo tudo que eu faço. Mas não me incomodo. É um cuidado que eu sempre sonhei em ter.
O documento em branco me arrebata: o que dizer? O que é urgente?
Vou até a cozinha. Quero um copo d´água. Abro a geladeira e decido por um suco. Não, um refrigerante. Melhor, pego o leite, esquento no microondas e misturo com um chocolate em pó. Bebo, mas me irrita. Não era isso. Agora estou meio enjoada. Jogo o resto na pia que vira um rio lamacento. Queria poder falar com alguém. Simplesmente me comunicar e certificar a mim mesma que está tudo bem e que eu posso dormir. Talvez, escrever já seja comunicação o suficiente. Talvez, eu não precise de ninguém. Me sento em frente ao computador. Decido levar um copo d'água comigo.
O silêncio das noites de insônia amplia o espaço do quarto e parece aumentar a minha solidão dos acordados. A vida tem essa aridez de solidões inesperadas e fora de contexto. Há ausência dentro de cada um. Estar só não é uma condição do momento. É inerente. É instante-já. É ofício do escritor.
Começo com alguns versos, lembrando meu tempo de poeta. Mas termino por grudar todas as linhas e ritmos e montar uma prosa poética. E odeio.
Há uma lenda que diz que as drogas podem expandir a criatividade. Mas não acredito. As minhas palavras escoam da tensão entre o pensamento e as letras impressas no papel. Preciso sentir esse vão. Essa ausência macabéica. Preciso sentir que perdi tudo para depois me salvar. O que me faz escrever é a falta.
Espremo o grosso dessa angústia de ter os olhos abertos no abismo da noite. É um perigo estar desperto enquanto é hora de sonhar. É um risco não ter um momento para o lúcido devaneio.
Mas não formo imagens nem monto frases dessas horas opacas. Não sou uma escritora clariceana, escrevendo em cada buraco cedido pelo dia. Só redijo quando meu corpo já não agüenta mais. Somatização de palavras.


terça-feira, 26 de agosto de 2008

Com o gosto de pênis na boca

Escrevi a matéria abaixo para o fanzine Coringa! de Bárbara Miller, de Blumenau.
Para quem se interessar pelo resto da revista, deixe seu e-mail nos comentários que eu lhe enviarei uma cópia. Ajude a espalhar esse material tão bem elaborado por pessoas que realmente se interessam pela arte!
Quanto a este blog, volta à ativa após um período áspero de dúvidas e falta de criatividade.





Com o gosto de pênis na boca

Lembro-me de frases suas que vou saborear à noite. O gosto do pênis dele ainda está em minha boca. Minha orelha arde de suas mordidas. Eu quero encher o mundo com Henry, com seus bilhetes diabólicos, plágios, distorções, caricaturas, tolices, mentiras, profundidades.


O trecho acima foi retirado do diário da escritora Anaïs Nin, escrito na década de 30, sobre o seu amante, o bordeleiro escritor, Henry Miller (contemplado na primeira edição de Coringa!).
Eu já havia ouvido falar de sua sofisticada obscenidade durante a faculdade, mas li um de seus livros, Uma espiã na casa do amor (1954), e me decepcionei com sua pena meia-boca, mais para brocha do que firme madeira. Eu que adoro um tabuísmo, uma querela, um palavrão em meio a uma conversa de comadres, só encontrei um medroso erotismo, um estilo não desenvolvido, uma tentativa de ser escritora.
Em seguida, fui questionar a professora que havia me inclinado a gastar minha cota de esperança com aquela leitura. E ela disse que o que havia mesmo de brilhante em Nin era seus diários, mas que, infelizmente, eles ainda não haviam sido traduzidos do francês. Assim, como o meu conhecimento lingüístico era – e é – reduzido, aquele cabedal estava fora de alcance.
Na época, pensei que tanto fazia ler ou não, porque eu achava que aquela mulher não poderia me impressionar muito. Mas, há alguns meses atrás, me deparei com um livrinho preto na livraria: Henry & June, a versão pocket (e em português!) dos diários não-expurgados de Anaïs Nin. Não resisti. Ali estava contido tanto mistério de perfeição no meu imaginário que tive de arriscar e torrar o resto do meu salário naquela expectativa.
Eu precisava desesperadamente de alguma coisa que inspirasse o meu próprio livro, que estava minguando (desculpe, leitor, esse meu jornalismo autoral, mas não me afeiçôo à terceira pessoa) e, naquela mesma noite, me deitei na cama e comecei a ler:

Paris, Outubro de 1931

Meu primo veio a Louveciennes ontem. Conversamos durante seis horas. Ele chegou à mesma conclusão que eu: preciso de uma mente mais velha, de um pai, um homem mais forte do que eu, um amante que me conduza ao amor, porque tudo o mais é uma coisa autocriada.

Meu lápis correu o texto todo. Queria-o para mim. Destacado, para que eu não o esquecesse. E anotei na margem um “R”, que significa que usarei no meu romance. Anaïs Nin colocou o pinto na boca e eu desci o mesmo cacete no teclado por páginas e páginas. E não há nenhuma leitura melhor para um escritor do que aquela que o faz escrever!
Porém, não é o tesão de Nin que excita seu leitor e, sim, a forma como ela se embriaga com a vida. Até não conseguir mais levantar, até ser pura histeria, até ser só palavra.
Anaïs começou seu famigerado diário aos onze anos, escrevendo cartas, que nunca enviou, para seu pai, que deixou a família nesse período. A partir daí, nunca parou de registrar, praticamente todos os dias, sua vida em um amontoado de manuscritos que somaram 35 mil páginas até o final de sua existência.
Anaïs escreveu, e existiu, durante as descobertas psicanalíticas e foi discípula delas. Inclusive, chegou a afirmar que possuía um relacionamento incestuoso com seu pai e que, talvez, por isso, nunca tenha tido sucesso em uma vida amorosa estável. Mas esse fato é embaçado e não se sabe se ela falava a verdade ou fantasiava sobre o homem que a abandonou. Dentro deste assunto, um dos momentos mais interessantes do livro é quando a escritora faz análise com um psicanalista. A apreciação sobre a vida da francesa deixa o leitor com pena dela e é lhe retirada a carga de julgamento sobre a infiel esposa. Anaïs ganha aliados.
Também foi precursora da revolução sexual, que sempre teve dentro de si, desde a tímida, medrosa, porém curiosa garota do começo dos diários. Entretanto, diferentemente de Sylvia Plath, que era uma mulher sufocada pelas exigências de seu tempo (ser mãe, e trabalhar, e ser esposa), e que, por isso, não suportou a realidade, Anaïs só se deixou asfixiar por suas paixões. A escritora foi profundamente extirpada de seu status quo, de criação católica e puritana, quando conheceu Henry Miller em dezembro de 1931. O pornógrafo-filosófico intelectual mudou sua vida para sempre e o seu gosto ficou mesmo na boca de Anaïs, pois até sua linguagem escrita muda, após o encontro. Antes, ela, que mal descrevia cenas de sexo e que nunca tratava de obscenidades com as palavras de uma puta, começa a prostituir seu vocabulário com o incêndio de Miller. Em verdade, o escritor desperta uma Anaïs adormecida, uma sempre intrigada mulher que, finalmente, descobre uma possibilidade de vazão.
Anaïs mostra o diário a Henry que descreve sua atividade da seguinte forma:

...você é narcisista. Esta é a raison d’être do diário. Escrever um diário é uma doença. Mas está tudo bem. É muito interessante. Eu não sei de outro diário mais interessante. Não conheço nenhuma outra mulher que escreva com tanta franqueza.
(Frase de Henry, citada nos diários de Anaïs)

A escritora era mais corajosa e franca do que se imaginava ser e esse é o motivo de seus diários serem tão afamados, pois não eram bons apenas por serem um fluxo sem freios de seus sentimentos e angústias, até mesmo porque esse derramar não foi tão inconsciente assim. Pois, de tempos em tempos, a francesa mostrava seus manuscritos para amigos ou amantes e, em 1920, John Erskine disse a ela que aqueles escritos eram sua melhor literatura e, então, ela começou a pensar sobre publicá-los, o que fez após a morte de seu riobáltico marido, que era o único que não sabia que, fora da jagunçagem, Anaïs era algo totalmente diferente.
A escritora tinha uma força tão grande para esse abismo de nunca se satisfazer que chegou a encontrar-se, num mesmo dia, com um amante, depois outro e depois com seu marido. A princípio, sua consciência, ainda com o ranço da culpa católica de berço, tirava-lhe o sono, mas com o passar do tempo, Anaïs vivencia o que seria a evolução de uma dor moral para a libertação de qualquer preocupação. Aos poucos, descreve ela, mentir para seu marido se torna uma atividade normal e ela se junta ao tipo de Miller, de June, e isso é encontrar-se. Isso é, finalmente, justificar-se.
E quem pode imputar-lhe culpa? Não será o seu próprio diário, leitor, tão manchado de esperma, grudando as páginas, quanto o dela?

domingo, 2 de março de 2008

Ariadne e Dionísio



Ariadne era filha do rei de Creta. Teseu se ofereceu para ir a Creta e enfrentar o minotauro do labirinto. Ariadne se apaixonou por ele e, para ajudá-lo, deu-lhe um espada e um novelo de linha para achar o caminho de volta. Teseu foi vitorioso e Ariadne fugiu com ele para a sua terra de origem. Os dois pararam para descansar na ilha de Naxos, contudo, enquanto ela dormia, Teseu foi embora, abandonando-a. Ela ficou inconsolável, mas Vênus, tendo misericórdia dela, mandou um amante imortal, Dionísio até a ilha. Ele tentou consolá-la mas, de acordo com algumas tradições, pediu a Ártemis que a mate. Quando Ariadne morreu, virou uma constelação.
Eis a MINHA VERSÃO DA HISTÓRIA:

_ Quer?_ pergunta-me na víscera como se de dentro falasse. A língua na orelha. O cheiro de corpo. Antes dele, eu só e a ilha. Ela me gastando e eu me nutrindo dela. O sono com o osso na pedra a esquecer de ti [porque, enquanto sonhava sem dor, fui abandonada: ancas na areia, as tuas no mar]. “Teseu, te amei tanto!”. Agora a terra preenchida. Oferenda do mesmo mar. “Mar que te levou”. E eu [as tripas assadas] sugando tua carne no meu oco.
[Esgoto-me no extremo]
_ Por que está tão séria?_ quer saber o deus. [Dionísio, criado entre ninfas]: seu olhar de muitas camas nunca entenderá. “Tenho as dores dos que ficam”[Teseu foi]. Um silêncio e um beijo em minhas tetas secas- [me consola com seu gozo]. Mas ignoro sua sede e irrito a parte-homem da divindade. _ Ariadne, quem sabe você ganha hoje de presente a sua morte e não tem de se preocupar com tantos amanhãs.
[Um deus que não sabe de eternidades]
Dou-lhe minhas costas: sela de fartos pesos. E descanso a cara ausente no braço de um amante que não é o meu [porém é mais quente que as rochas]. Mal fecho os olhos, cego-me. Um punhal me acerta e legitima a carniça que eu já era. Minhas milhares de peles se destroem: miríades de cacos brancos. Finalmente, durmo sem lembranças.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças

Como estou enlouquecendo com a falta de grana e a falta de emprego, tenho escrito pouco. Então, aí vai um texto de 2004, de uma outra fase literária que eu tive. Fiz Como cordas de amaranto após ver Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.

Como cordas de amaranto

Sim e nós estragamos tudo. Isso, se foi Tudo, o que sobrou além do oco de nós dois. Nós pisamos na rosa, de fato; você arranhou o meu rosto e eu te vi em outro, é fato. Mas, e aí? Você conhece o meu passado, eu te contei, e ele voltou a acontecer mesmo, não é? Eu sei das suas manias, das suas neuras estúpidas e dessa sua melancolia natural, e aí? Agora, sabemos que vai dar tudo errado mesmo, que eu vou me encher de você e ...você, você vai ter pena de olhar para mim. É o nosso futuro, meu amor, e o nosso presente. Somos sábios neste momento, o sabemos. Ei, futuro, o sabemos!

Minha alça, a alça da bolsa, caiu hoje. Lembrei de você, é a nossa lembrança mais bonita: o dia em que a alça da minha mochila gasta caiu e você a segurou. Segurou a alça, meu bem, e não a deixou cair. Foi lindo para mim. Você se lembra, querido? Tudo bem, acho que é uma coisa minha mesmo, não é? Afinal, tem as coisas só minhas e as coisas só tuas, não é?


Depois daquela tarde no seu carro, eu comecei a te cheirar por aí, sabe? Sentir seu cheiro em todo lugar...seu perfume é comum? Acho que não é por causa disso, né, meu querido? Besteira achar explicação. E agora esse vento frio fica entre nós: que crime! Depois de tudo, deixamos que algo ocupe o precioso espaço entre mim e você.

Você não acha que esses anos passaram rápido? Tão rápido...nem deu para sentir...qual é o seu nome mesmo? Brincadeira, eu até sei seu telefone, a marca da sua cueca, há quantos anos você comprou o seu computador usado... mas isso tudo deslizou numa pista muito lisa e eu nem vi passar. Não me lembro do gosto do seu beijo, mas era bom, gostava muito. Eu contei: 444 beijos! Podíamos ter dado mais, não?

E essa corrente de ar que varre o meu peito é o abanar das asas do silêncio, meu amor. Tão forte e tão alto que já deduzi sua freqüência.

É como se nunca tivesse acontecido, você sente isso? Como se eu não tivesse te beijado, como se você não tivesse me procurado no meio da multidão, como se fôssemos estranhos...como se nunca tivéssemos atentado para o fato de que estávamos vivendo. Mas, sei lá, porque diabos você tinha de ser tão triste, tão taciturno, sempre? Você nem sequer se empolgou com o meu prêmio. Não quis sair para comemorar. Porque? Eu não merecia isso, que você se importasse? Nunca me elogiou, nunca me estimulou a nada. Um verme preguiçoso na cadeira. Quer dizer, não é preguiçoso, é desesperançado demais para achar que se mexer vai trazer algo além de mal para sua vida. De onde você tira todo esse pessimismo? Isso me faz mal, sabia? Meio que me deprime também e eu sou tão feliz, você não podia...Pelo menos, devia se esforçar por mim, mas se nem por você, imagina por outro...

Você roubou alguns anos da minha vida, sabe? Desde que estou com você me sinto velha e cada vez mais. Esgotou-se a minha energia, eu não canto mais quando acordo. Você percebeu? Claro que não. Eu cantava, eu acordava cantando e agora não. Sinto vontade, sim, é de dormir para sempre e viver num mundo no qual você nunca existiu, no qual não tem ninguém para me censurar e cercear a minha alegria expansiva.

Patético é o que você é. Um garotinho indeciso, medroso, tão cauteloso que esqueceu de fazer alguma coisa. Acabou fazendo o nada da sua vida, não é? E quer isso para mim também, podia, ao menos, tentar parar com, mas não: não desloca nunca sua massa neurótica por mim. Ainda implica comigo. Sou impulsiva, sim, e, se não fosse, estaríamos parados naquele sofá, olhando, envergonhados, um para o outro, até hoje. Eu fiz o relacionamento andar. Acho que nem posso reclamar de você, não é mesmo? Eu que procurei a minha destruição.

Aquele copo que você quebrou na casa dos seus pais: disse que fui eu e a retardada aceitou porque achava que tinha de te acobertar já que você não era forte o suficiente. Você montava em cima de mim, em cima da minha coragem. E, quer saber, acabou que eu não te fiz bem nenhum e você só me deu dor nas costas.

Porque o nosso amor é como planta no asfalto, não é? Não dá coco, nem fruta, nem florzinhas mixurucas. E aí, a gente não sacia a sede nem a fome e nem tem beleza para se iludir com. Nunca estamos bem, sempre necessitados.

Aquele maldito colar foi tudo o que você conseguiu me oferecer, não é? Porque, hein? Para que eu nunca esquecesse de você, não é? Para que toda porra de momento em que eu me olhasse no espelho, eu te visse ali também. Você me queria toda para você, tanto que, até quando eu estava sozinha, você estava lá, dava um jeito de estar, e colado em mim, no meu pescoço. Isso é doentio, você não tem vergonha?

Mas aquele dia na praia foi bonito, não foi? As ondas estapeando nossos tornozelos, o sol se transformando em montanha... senti que podia morrer ali ou viver pra sempre aquele momento, como uma morte pro resto do tempo. Senti afeto, segurança, senti a vida, sabe? Tudo mais perdeu o sentido e só tinha senso era você perto de mim, apertando a minha mão.

Será que acabou mesmo, meu amor? Não consigo entender viver sem você. Sim, sim, sim, às vezes, eu não compreendo porque viver com você, mas, no final, não somos mais duas pessoas como antes, entende? Nos imiscuímos demais. É como se você fosse eu também e, se você se for, eu vou sentir falta de mim. Um amálgama. Acho que é por isso, meu querido. Como vou ficar sem mim, então como ficar longe de você? Nos aproximamos demais, chegamos muito perto, que trocamos partes e agora você tem coisas que eu não tenho mais e eu, as tuas.

Mas, e agora, querido? Eu sei que se decidirmos partir, só vou me lembrar do que você levou com você: o meu sorriso solto, meu amor controverso, minha concepção de afeto! Mas, e aí ?, se você ficar, e tudo voltar com você, vem junto o seu medo, os seus quadros feios, seu gesticular irritante... E agora, meu amor, e agora? Estou com tanto medo, tanto medo de ficar sozinha, sem você e sem mim, totalmente abandonada. Me abraça, sopra o meu pescoço, diz que vai ficar tudo bem, por favor, querido, me ajuda, preciso tanto de você.

Talvez, eu aprenda a ser eu de novo. Sei lá, depois de um tempo, eu devo voltar ao normal, sendo o normal o eu pré-você. Talvez, haja uma chance para nós dois vivermos inteiros por aí. Mas parece tão difícil e tão impossível. Você não sente isso também? Já era, querido. Não existiu um eu antes de você, entende? Era só uma semi-existência. Não há vida sem o seu braço no meu ombro, seu “bom dia” agradável, seu “eu te amo” verdadeiro. Estamos conectados para sempre, eu e você, nesse mundo que só existe quando olhado pelos dois ao mesmo tempo. Verei a sua velhice e você a minha e a eternidade será o nosso último destino. Sim, apesar dos problemas, que já sabemos quais, virem a surgir, apesar da dor que sabemos que virá nos violentar, apesar de tudo, meu amor, apesar de apesar. Sim, sim, sim, querido; sim, sim, sim, eu.

domingo, 27 de janeiro de 2008

O epicurista

O epicurista


Para que o crime de um fundamento?
Crina, tripa, aço. E a fisiologia
parasitária? Necessidades.

Nos poros, fedentina de mofo.
Refugo do abusivo pensar.

Larga partos, sementes, penitências.
Desprende-te e sê como eu.
A marinar em merda,
Sem casca, sem mole, sem oco.
Aninhado ao fofo de um deleitoso
Nada.
Abutre ao sol.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Verborragia II

“Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento..."
Clarice Lispector


A vida é fluida. E o estreito nunca se fez parte dela.
A rodela fina de uma definição-delgado-naco-de-idéia não preenche o vácuo oco da experiência de existir. Nada que diga “é” pode ser. Porque o encerrar em quadros já mostra que há algo além da delimitação.
E os restos são grande parte.
Não confiar nos contornos é um bom conselho. Muda a postura do sol e eles se rearranjam. Novos para-sempres medrando a cada espasmo do astro rei. A verdade ligada à realidade, a realidade ligada aos sentidos, os sentidos ligados a um amassado de hidrogênio pegando fogo! Eis que se apresenta toda sabedoria do mamífero que usa calças.
Não há eternidades nos dias – apesar do inadiável continuar deles. Tudo morre com a troca da lua. E com o sono: o grande aspirador histórico.
Não há concretude, nem retos, nem por aquis, nem alis. É só um largo descobrir.
Mas me deito no tálamo e me roço com o tempo. Obtuso amante. A carne imatéria. E diante de sua língua esguicho penso todo o entendimento. Porque me preocupo. Por que procuro eixo. Porque viver não ultrapassa. Eriço os pêlos e sonho com o instante que pára num gozo interminável.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Loura ilusão

Muito obrigada a todos que têm lido este blog.
Agradeço, principalmente, àqueles que têm feito críticas, positivas e negativas, ao meu trabalho.
Quem, verdadeiramente, ama a literatura está sempre buscando se aperfeiçoar.
Esse feedback rejuvenesce as veias!

Loura ilusão

Meus pensamentos tortuosos
Inflamam a toda hora
É cerrado em mim
E tudo é seca

Nas minhas galerias,
Busco o que ainda há por dentro,
Além dessa imensidão de extratos
Que não dizem nada.

Naturalmente infértil,
Esse nós não alimenta o mundo
Somos apenas a víscera, da víscera, da víscera
Comida e carcomida pelo nosso jeito-destruição

Mesmo almejando o fim,
A morte me protege da total ausência
E essa nossa coisa sazonal
Vem de volta
Como se nunca tivesse sido soterrada
Pela nossa acidez.

Não há ipês amarelos com coroas de flores a seus pés
Nem promíscuas caliandras.
Só o campo sujo.
Lá, o passado já é alimento
Pro beijo da chama
E nós? Nós somos algo de belo,
Que talvez esteja morto,
Talvez, esteja apenas quebrado;
Mas que está escurecendo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Perdendo a virgindade


Fiquei pensando se chocava logo os meus leitores com uma das minhas poesias ilícitas. Afinal, os comentários foram tão agradáveis e todo mundo sabe que o Brasil não lê poesia.
Ainda mais, poesia-não bonitinha- não meiga- não alisa saco.
Mas resolvi acreditar no meu público e postar Perdendo a virgindade. Escrevi esse poema em 2004, mas o modifiquei levemente em 2007.

O poema é indicado para leitores putos, desiludidos, ásperos, ressentidos e vítimas de conquistadores manipuladores.

A foto é da Flora Egecia (
egecia@gmail.com), assim como a do template do blog.



Perdendo a virgindade

A verdade
É que eu não sou a virgem pura
Que lhe pareço ser.

Este mundo já me fodeu tanto
Que seria uma puta hipocrisia
Dizer o contrário.

Mas foi só agora,
Que percebi todo esse sangue,
Já seco e duro,
Quebrando o lençol.

Tanto vermelho!
Já vinho,
Já negro...
Me faz crer que pereci
De agudas dores.
Mas, na hora,
Eu nem senti.

Acho que foi isso
Que o fez voltar todas as noites:
A minha ignorância.

Sinto muito, meu amor,
Mas eu não sou mais sua inocente prostituta.
Agora,
Eu dou porque quero.


Patrícia Colmenero,
A Medusa impune.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Verborragia inaugural

Responsabilidade x controle

Deixando fluir, depois controlo este texto.

“sou uma mulher madura
que às vezes anda de balanço

sou uma criança insegura
que às vezes usa salto alto

sou uma mulher que balança
sou uma criança que atura”
Martha Medeiros

Leva-se um tempo para se perceber que a Terra já gira sozinha, que ela não depende de mim para que os dias persistam em vir e vir.
Nunca compreendi a dicotomia entre controle e responsabilidade. Dicotomia para mim, como o bem e o mal; pois, quando vislumbro um, o outro some como o lado escuro de um planeta.
E o meu satélite só captura um lado por vez.
Captar com os olhos essas duas imagens metafísicas ao mesmo tempo é um eterno aprendizado de vida. E eu sou grosseira iniciante na lição de confiar que Aquele que fez todo o universo também é capaz de me guiar pelas ardilosas horas sem que eu me estabaque numa parede e contemple o meu rosto sangrento.
Entre um beco e outro, descobri que essas duas entidades são muito diferentes. Uma, corroboração e a outra é corrosiva. Terrível fazer definições, mas o humano não escapa delas: a responsabilidade é a consciência de que posso e devo contribuir. O controle é apenas loucura, blasfêmia opressiva, a demente tentativa de mandar no vento.
Meu último desejo para o resto da vida: ser vitória e fracasso num mesmo dia de tédio ou glória. Poder me reconhecer no espelho, sempre uma só face_ feliz e descontente, mas esperançosa a todo o tempo.
A agendinha de couro registra todas as obsessões. A cada semana, um plano perfeito para sobreviver à angústia, à falta do que fazer, ao medo da solidão. Mas eu estou cansada de projetos. Ainda mais dos projetos magistrais! Porque eles só me dão a rápida ilusão de que eu posso controlar tudo o que me envolve. Logo, estou novamente absorvida pelo meu sazonal desespero e total falta de perspectiva.
Por isso, não quero precisar me viciar em alguma coisa só porque ela, às vezes, funciona e me enche da satisfação que, enlouquecidamente, busco. Quero ter prazer e vivê-lo, mas sem abandonar a consciência de que não posso controlar a sua duração ou a sua freqüência.
Quero ter a humildade de me deixar levar pelos movimentos de rotação. De, na verdade, admitir que foram eles quem sempre me levaram.
Tenho problemas com os meios. Adoro começos, adoro finais. Acho ótimo que as coisas acabem. Quem leria um livro interminável? Eu certamente não. Não faz parte da minha personalidade que aprecia se desligar, que se deleita com um fechamento, que só gosta das coisas porque tudo pode acabar um dia, então devemos aproveitar agora. Também amo inícios. Tantas expectativas! Tantas surpresas por vir! Mas os meios são somente o trabalho, o não-compreender-ainda, o não-estar-pronto, o não-poder, o não-ser. É a pressão das metades que me aniquila! O miolo da existência é cru.
É no meio-tempo que me perco.
Seria tão melhor ser companheira do acaso, respeitá-lo e admirá-lo.
Seria tão melhor ser grata pelo imprevisto, pelo menos, eu fujo do enfadamento.
Ser grata pelo enfadar, pelo menos, eu fujo da mania de euforia.
Ser grata por estar eufórica, pelo menos, eu me sinto viva!
Uma ode ao descontrole!
Mas aí me vem essa fome de viver, de sanar a vida, de não sentir tanto e de sentir em absoluto. E toda boa intenção amarra-se a si mesma num saco de lixo e esgota-se apenas no verbo.
Eu corro três vezes mais rápido do que qualquer um (e isso me faz sentir melhor, especial e digna de amor); mas, de repente, minhas pernas ficam exauridas e meus tornozelos torcem para me impedir de continuar.
Então, preciso esperar três vezes mais que qualquer um e, quando retorno à corrida, é como se estivesse no mesmo lugar, ao lado das mesmas pessoas que tinha deixado para trás. Como no ponto de partida outra vez. Como quando eu não havia se quer tentado. Então, nada mais vale a pena.
Uma parte mais visceral e desbocada de mim teria a coragem de perguntar: como aprender a ser normal? Mas não falo nada, só sinto e calo, sinto. E sinto na medida em que busco me anestesiar do sentimento. Sou ser reativo e não racional. Tenho minha própria espécie.
Mas desejo, e desejo ardentemente, não precisar, de tempos em tempos, de bolinhas brancas, e depois brancas e achatadas, depois coloridas e ovais, depois líquidas, depois esfareladas, depois sem gosto de nada, sem cheiro de nada, sem barulho de nada, sem formato de nada...do Nada.
Penso até que os momentos de ansiedade me ligam com a pessoa que sou: necessidades, gente, carnes e peles, ossos alvos. Mas, também, me levam a acreditar que sou enferma do veneno que gerei no próprio ventre e, disso, não há cura.
Tento encontrar esse ponto obtuso que chamo de meu desafio de vida, mas logo me vejo vítima do outro extremo: um entusiasmo patológico, que se olvida de que sou apenas carcaça ambulante, mas me pinta majestosa e ENORME.
Permuto-me toda.
A escancarada e opaca verdade é que a minha doença é medo de rejeição. Tenho receio de ser quem sou e não me amarem e apreensão de ser quem não sou e me amarem. Temo as máscaras e a abstinência delas. Como uma penélope, teço e desteço as fantasias que me faço na espera de um ulisses, que julgo ser, não uma pessoa, mas um final feliz, uma derradeira alegria.


Mesmo a mosca que, incessantemente, bate no vidro, até ela se move de lugar e, entre erros e acertos, um dia sai de seu cárcere.