segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Insônia

Ontem, a noite foi de insônia. Basicamente, não durmo por um único motivo: aprecio o sofrimento.Fico louca pensando no futuro, em tudo que eu tenho de conquistar para um dia ser reconhecida. Imagino lançamento de livro, mil leitores, meus melhores amigos organizando tudo...aí, quando estou quase caindo no sono, tenho uma idéia que pode salvar o mundo (pelo menos o meu) e tenho que anotar. Tenho! Mesmo o caderno estando no outro quarto...e assim dormi às 4 da manhã, mas acordei às 8 na busca pela intelectualidade. Estou lendo Plexus do Henry Miller e poemas escolhidos de Emily Dickinson.

Abaixo, um curto capítulo do romance que estou escrevendo há não sei mais quanto tempo.


Rafael dorme como se viver fosse algo calmo e não o estar sempre em colapso.
Minhas pálpebras insistem em não relaxar. Está muito escuro por fora e muito claro por dentro delas. Meu rosto já está amassado do travesseiro. Levanto o tronco. Esfrego os olhos sonolentos e insones. Estou com uma regata branca e uma calcinha preta. Um pernilongo picou meu pé e eu o coço com força.
Vou escrever.
Assim, me alivio do que ainda não expeli hoje. Ligo o computador. Rafael troca de lado ao sentir a luz do monitor . "Vai dormir, amor. Amanhã você escreve." Acho que ainda não me acostumei a ter alguém me dizendo o que fazer e assistindo tudo que eu faço. Mas não me incomodo. É um cuidado que eu sempre sonhei em ter.
O documento em branco me arrebata: o que dizer? O que é urgente?
Vou até a cozinha. Quero um copo d´água. Abro a geladeira e decido por um suco. Não, um refrigerante. Melhor, pego o leite, esquento no microondas e misturo com um chocolate em pó. Bebo, mas me irrita. Não era isso. Agora estou meio enjoada. Jogo o resto na pia que vira um rio lamacento. Queria poder falar com alguém. Simplesmente me comunicar e certificar a mim mesma que está tudo bem e que eu posso dormir. Talvez, escrever já seja comunicação o suficiente. Talvez, eu não precise de ninguém. Me sento em frente ao computador. Decido levar um copo d'água comigo.
O silêncio das noites de insônia amplia o espaço do quarto e parece aumentar a minha solidão dos acordados. A vida tem essa aridez de solidões inesperadas e fora de contexto. Há ausência dentro de cada um. Estar só não é uma condição do momento. É inerente. É instante-já. É ofício do escritor.
Começo com alguns versos, lembrando meu tempo de poeta. Mas termino por grudar todas as linhas e ritmos e montar uma prosa poética. E odeio.
Há uma lenda que diz que as drogas podem expandir a criatividade. Mas não acredito. As minhas palavras escoam da tensão entre o pensamento e as letras impressas no papel. Preciso sentir esse vão. Essa ausência macabéica. Preciso sentir que perdi tudo para depois me salvar. O que me faz escrever é a falta.
Espremo o grosso dessa angústia de ter os olhos abertos no abismo da noite. É um perigo estar desperto enquanto é hora de sonhar. É um risco não ter um momento para o lúcido devaneio.
Mas não formo imagens nem monto frases dessas horas opacas. Não sou uma escritora clariceana, escrevendo em cada buraco cedido pelo dia. Só redijo quando meu corpo já não agüenta mais. Somatização de palavras.