segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Púbis entediado


Depois de ouvir todo o tipo de teoria sobre a influência do clima no temperamento das pessoas, só posso concluir que o inferno deve ser muito estressante e não assustador, e angustiante. É quente e insuportável mesmo!
E declaro que estou enlouquecendo com esse calor na terra candanga.
O desenho acima é de uma artista plástica chamada Rebecca Schiffman.
E o texto abaixo é mais um pedaço do meu romance, que ainda rumino. Nessa ocasião, a personagem acaba de sair da padaria onde xinga a caixa de vagabunda. Na confusão, esquece de comprar um isqueiro para os seus cigarros.
{comentem}
Sobre o post anterior, obrigada pelos comentários! Não sabia que o Alexandre Machado era o QI da Fernanda. Isso me faz perguntar se existe sorte ou se tudo é mesmo uma questão de contatos e lençóis. Fuckin life!


Estou sem isqueiro. Na loucura, esqueci de pegar um também. Isso é menos mal. As pessoas não dão cigarro, mas não são egoístas com fogo. Vejo um transeunte parecido comigo fumando. Ele se veste como um mendigo, mas dá para perceber que na verdade é só um garoto de classe alta tentando se auto-afirmar.
Me aproximo. Ele percebe e pára.
Posso acender o meu no seu?
Oi?
Ele aparenta ter ficado assustado com a minha abordagem. Deve ter uns dezenove anos. No auge da vida estudantil, achando que a vida é arranjar garotas e experimentar drogas. Doce limitação!
Posso acender o meu cigarro no seu? Claro, claro.
Ele vai estender o cigarro para mim quando eu o interrompo, segurando sua mão, levando o cigarro de volta para a boca dele.
É mais fácil assim.
Encostei o meu cigarro no dele. Um beijo de nicotina. E puxei o ar. Acendeu. Me afastei.
Obrigada.
O garoto parecia envolvido por uma energia mística. Estava totalmente extasiado com aquela mulher adulta, acendendo o seu cigarro no dele. O garoto me achava sensual e não tinha nenhuma proteção quanto a deixar isso transparecer. Ele ainda estava na fase de não mascarar todos os sentimentos.
Claro. Claro. É...a gente pode fumar junto ali naquele banquinho. Eu costumo sentar ali. Tem uma vista pro mar. Aí, se você quiser fumar outro, pode acender no meu de novo.
Acho que a minha roupa de mendicância e o meu cabelo desorganizado se encaixaram perfeitamente na mitologia de mulher que ele havia criado. Eu queria passar a manhã sozinha e tudo já tinha sido tão tumultuado. Primeiro minha mãe, depois a vadia do caixa...mas resolvi abrir mão da minha solidão. Seja lá o que fosse acontecer, o controle era meu e isso era novo e divertido.
Vamos... larguei no ar, indo na frente. Ele deu uma leve corrida para me acompanhar. Nos sentamos e ficamos em silêncio por alguns momentos, só tragando. Você mora aqui perto? É. Moro naquele prédio cinza. Eu moro na próxima quadra. Você mora com os seus pais? Não. Eu moro sozinho. Eu vim pra cá para estudar. Ah...legal...
Uma nova pausa se iniciou. Tragadas profundas.
Você quer ir lá? Lá aonde? No meu apartamento. Ele disse isso um pouco tímido.
Eu queria ir ao apartamento dele? Claro que não. Porquê? Mas, também, por que não? Por que a negação tinha que ser sempre a primeira opção? Por que não viver e experimentar? Por que não me tratar com um resquício de dignidade e, ao menos, ver o que acontecia? Viver do prazer da experiência. Isso me tiraria do tédio, do marasmo. Isso seria novo. Hedonicamente, me preparar para o dia e suas surpresas. Sem mais a frigidez das expectativas, das esperas. Pro inferno com tudo isso! A ação, isso sim. A ação pode driblar a velhice, a doença, a paixão. Pode me fazer sentir enganosamente maior. Deliciosamente maior. O controle dos meus sentimentos, superando a natureza e o tudo de terrível que ela traz. Superar a suscetibilidade à melancolia.
Vamos! Caminhamos calados. Entramos pela portaria antiga. Não havia elevador. Subimos um lance de escadas e no último degrau ele me agarrou num beijo desesperado como se aquilo fizesse parte de um texto pré-produzido. Fui recíproca para com a sua pele macia. Nossas línguas de nicotina eram mais ásperas. Lixas loucas a se entrelaçar convulsas. Lambi-lhe o rosto todo feito cão. O anônimo é forte. Enrosca minhas pernas pálidas no seu tronco e me carrega até a porta. Acerta a fechadura sem vê-la. O rosto encaixado no meio dos meus seios. Seu cabelo é um sebo castanho claro. Entramos no apartamento que eu nem vejo como é. Só percebo a meia-luz que entra pela fresta da cortina. Ele me deita no sofá e tira logo a calça, apressado. O desejo dele apontando para mim. Cheiro de sabonete e suor. Pega uma camisinha.
Você quer colocar ou quer que eu coloque?
Ouço sua voz sem memórias enquanto meu sexo queima.
Eu coloco.
Rolei o plástico, sentindo as pulsações do garoto que eu tinha nas mãos. Era vida ou morte? O que eu buscava com a mão lubrificada e o cheiro de sexo no corpo?
Eu penso bem. Só queria o prazer sem sentimento, mas alguma coisa me detém. Há em mim algo intocado, inabalado, que me ordena para a conservação. Mas isso eu também quero matar por dentro. Todo vestígio de esperança.
Você gozou?
Fiz que sim. E gozei mesmo. Mas uma porra triste. Ele se levantou do meu corpo e vestiu sua cueca novamente. Vou pegar uma água. Você quer?
Não...eu já vou embora.
Tento organizar minhas calças rápido, mas coloco-as do avesso e ele estranha meu desespero repentino.
Você tá bem?
Calço meus sapatos e bato a porta atrás de mim. Era 35, o número na porta. A porta da qual eu poderia ter saído como uma prostituta, ou uma arrependida.
Ou, o que é pior: completamente inalterada.